6.20.2006

DE NOVO A MESMA HISTÓRIA
Não é a minha intenção ser repetitivo, muito menos melancólico. Mas esse texto foi escrito numa noite de total desânimo. Estava, mais uma vez, tentando entender por que meu circo teve um fim tão rápido. O que eu quero é uma explicação, só uma explicação...
Era dia 26 de agosto de 2005. Naquele dia, 30 pessoas trabalhavam arduamente com apenas um objetivo: estreiar o Circo Strapazzon, aquele que para muitos era a promessa de um circo realmente inovador e que seria uma casa de ambiente agradável para os que lá trabalhassem, visto que todos que lá estavam eram amigos e grandes profissionais. Neste dia, todo o sonho seria realizado, todo o trabalho de nove meses chegaria ao seu ápice. Nove meses, uma gestação. E foi uma gestação complicada, cheia de altos e baixos. Mas no dia 26 de agosto o circo iria, finalmente, nascer.
Cada um na sua área, todos trabalhavam sorrindo, felizes e cheios de boas perspectivas. O Chumbrega ajudava seu filho Fabiano a coordenar os empregados que terminavam de montar a lona. O Benê e o Tuiuiú ajustavam o som enquanto a mãe do Tuiuiú, a amável dona Lili fazia os retoques finais na linda cortina de veludo vermelho com detalhes dourados que ela mesma havia confeccionado. O Ênio, o Miguel, o Diego e o Choks montavam o globo da morte, a Dona Lizete ensaiava os bailados com as meninas do circo... A Paulasubia no tecido, a Sílvia arrumava o barzinho, o Paulo montava o picadeiro, o Americano, eficiente secretário, corria a cidade, acertando as documentações com a prefeitura, os bombeiros e a polícia cívil, a Janaína preparava-se para abrir a bilheteria e eu, em meio a um chamado e outro, entre um problema resolvido e outro que ainda precisava resolver, entre um documento e outro para assinar, não sabia se estava sonhando ou vivendo a realidade. Estava me sentindo a pessoa mais realizada desse mundo. Foram várias as vezes emq ue eu parei o que estava fazendo para rezar e agradecer à Deus tudo de bom que estava me acontecendo.
Inacreditável como todos confiavam em mim e acreditavam no sucesso do circo. Dona Sílvia era só sorrisos. Marlon, meu grande amigo, já fazia planos para o futuro. Edilton assessorava os atores da rede Globoque havíamos contratado para a estréia. Seu Martin ensaiava seu número de folclore argentino. Tudo precisava estar perfeito exatamente às 20:30.
Mesmo com tanta ansiedade, foi impossível estar no circo e, ao ver tudo pronto, não lembrar de vários fatos marcantes como:
_ Cada lantejoula que dona Lili bordava na cortina era motivo de festa. Ao todo foram 10 mil lantejoulas e 10 mil vezes repetida a frase "Está ficando linda, ainda mais linda!"
_ A mesma dona Lili foi responsável por pintar as carretas, deixando-as novas e lindas. A cada letra pintada, novas perspectivas, novos elogios. A esperança de que tudo daria certo se renovava.
_ Lembrei da chegada do ônibus do Chumbrega no terreno onde estávamos instalado. Foi emocionante. Chumbrega estava feliz, satisfeito e cheio de energias positivas para a nova jornada. Ele estava entusiasmado, e mais do que isso, ele acreditava no nosso projeto e disse ter a certeza de que tudo daria certo. A chegada do ônibus do seu martin e da dona Lizete também foi muito marcante. Fomos buscá-los durante a noite, em uma cidade próxima e eles demontravam satisfação em estar no meu circo.
_ A cada nova contratção, uma festa. Americano vibrava junto comigo. O Americano foi um grande companheiro, assim como o Marlon, que num dia de muitos problemas, decidiu benzer o circo junto comigo com sal e água bentos.
_ Os conselhos da dona Lizete sempre me fizeram bem. Ela sempre me passou boas energias.
_ Max, o homem pássaro, foi, talvez, o mais injustiçado com tudo o que aconteceu, pois foi o único que permaneceu comigo até o fim. Era um bom artista e um funcionário versátil, além de ser um grande amigo. Além de realizar seu belo número, assessorava a paula no tecido, me ajudava na magia, dirigia o carro de propaganda, entregava panfletos nas ruas e ainda me dava força para continuar na batalha. Tudo isso, sem nunca reclamar de nada. Max é aquele tipo de pessoa que você pode contar sempre.
_ Lembrei do suor do Chumbrega escorrendo pelo seu rosto. aos 62 anos, ele pegou firme na montagem do circo. Pensei no esforço do Fabiano para que tudo estivesse pronto até aquela sexta-feira; na missa preparada pela dona Lizete para o dia da estréia; no Americano dizendo que tudo seria um sucesso; no Cigano montando seu aparelho de arame alto e dizendo que trabalhava melhor quando eu o anunciava.
_ E o Baixinho? Como eu poderia esquecer do Baixinho? Ele foi uma figura que até hoje não consegui definir. Era mentiroso... E como mentia! Mas tinha um bom coração e estava sempre querendo ajudar. Numa dessas tentativas de ajuda, o Baixinho me levou até uma vila de Alvorada, cidade mais perigosa do Rio Grande do Sul, para que eu conseguisse dinheiro com um agiota, para que o circo saísse do sufoco. Após mais de 4 horas, desisti de esperar o tal agiota e fui embora. Toda essa história de agiota não passara de invenção do Baixinho, mas ele havia mentido tudo isso com o intuito de me dar esperanças para continuar com meu circo.
_ Lembrei do roteiro que preparei, com tanto planejamento, com base na distância de uma cidade para outra e número de habitantes. Também levava em conta o tempo em que a cidade estava sem receber circos.
_ Enfim, me passou pela cabeça todo o esforço, toda a luta e a garra que foi necessária para colocar aquele circo de pé.
E agora ele estava de pé! E estava lindo!
Montamos um espetáculo maravilhoso, ágil, com uma bela trilha sonora e com uma linguagem realmente moderna. Finalmente, estava tudo pronto.
Mas o horário da estréia foi chegando e junto uma grande preocupação: faltavam menos de meia hora e até aquele momento ninguém, absolutamente ninguém havia comprado ingresso. E o pior, ninguém passava na frente do circo. As ruas ficaram desertas de uma hora para outra.
Neste momento eu me perguntava o que havia de errado. A praça era boa, uma cidade com grande poder aquisitivo, mais de 300 mil habitantes. Estávamos no centro, o circo estava bonito, a propaganda(embora Edilton não concordasse) estava na rádio, no jornal, no carro de som e nos panfletos e ainda estávamos anunciando a presença de dois atores da Malhação. Resumindo, nada estava errado.
Mas ninguém compareceu. NINGUÉM! Nem para pedir informação. Isso foi para mim, uma punhalada e Edilton não poupou críticas.
Mas por incrível que pareça, os artistas não se abalaram e ainda organizaram um churrasco. apesar de não demonstrar, eu já estava, naquele mometo perguntando à Deus se toda aquela minha felicidade havia acabado.
No sábado, tudo se repetiu. Cancelamos todos os espetáculos. No domingo também não trabalhamos. Na segunda-feira, todos receberam uma parte do salário, dinheiro oriundo do pagamento do trailer que tinha vendido. Mobilizei um grupo para irmos nas escolas, para marcarmos matinês escolares.
Estreiamos na quarta-feira, às 9 horas da manhã, para aproximadamente 400 alunos. Foi uma alegria e uma emoção indescritível. No final do espetáculo, Marlon me abraçou e disse: " Enfim, estreiamos. Agora, ninguém mais nos segura!"
Não conseguiria escrever aqui o que estava sentindo. Tudo estava saindo tão perfeitamente bem, tudo estava tão impecável que parecia que o circo tinha anos de estrada. As professoras elogiaram tanto que fez com que o espetáculo das 14 horas fosse ainda melhor. Enquanto apresentava o espetáculo, pensava em levar logo o circo para Sapucaia do Sul, minha cidade, para que minha família pudesse assistir ao show que eu havia produzido. Achava que eles iriam se orgulhar de mim. O espetáculo realmente estava com um alto nível de qualidade. Mas o tempo foi passando e muitas coisas foram acontecendo. Enfrentamos três temporais originados de ciclones extra-tropicais em menos de 3 semanas. Um grande circo contratou a família do Chumbrega, desfalcando, e muito, o espetáculo; macumbas apareciam com frequência nos terrenos onde o circo se instalava; a falta de dinheiro já estava abalando a todos; as cobranças eram cada vez maiores; a falta de público cada vez mais rotineira e os problemas se multiplicavam. Quando olhei para todos os lados, acuado, e não vi nenhuma luz, me desesperei e decidi fechar o circo e desistir de todos os meus sonhos e ideais. Totalmente sem esperanças, conversei com todos os artistas e empregados, um por um. Fui sincero e honesto com todos, expliquei a situação e me segurava para não desabar. Precisava parecer forte e determinado.
Mas foi impossível permanecer forte ao ver Lully chorando e se perguntando o porquê do fracasso; ou ver Max, desacorçoado e chorando, sentado na beira da calçada, sendo consolado pela sua esposa. Todos estavam desolados e eu não sabia o que fazer da minha vida. Tudo virou de cabeça pra baixo rapidamente e o sonho virou pesadelo. Perdi tudo o que tinha: trailer, carro, aparelhagem de som e iluminação, aparelhos de magia, e até minhas clavas de malabares. Precisei me desfazer de tudo para pagar dívidas. E muitas ainda não foram pagas. Sem contar que prejudiquei financeiramente, e muito, minha mãe e meu pai, que me ajudaram em tudo o que puderam.
Aos que ainda não receberam, peço paciência. Aos que em mim acreditaram, peço desculpas. Me desculpe Max e Jose, Patrícia e Miguel, Chumbrega, Marcos Bonaldo, Martin e suas respectivas famílias. Me desculpe, dona Lili, Tuiuiú, seu Hildo. Enfim, peço desculpas a todos que me seguiram nessa jornada. Me desculpe pai e mãe, por tudo. Me desculpe Bel, por não ter dado a atenção e o carinho que você merecia.
E agradeço de coração à todos que torceram, que rezaram e que enviaram energias positivas para mim e para todos que estavam no meu circo.
Já se passaram quase 10 meses que tudo aconteceu e eu ainda não entendo o motivo desse fracasso tão fulminante, afinal, era unanimidade, tínhamos tudo para dar certo.
Foi macumba? Foi falta de trabalho? Foi despreparo? Foi puro azar? Não sei!
Hoje, olho para trás e vejo tudo o que perdi. E ao olhar para o futuro não vejo nada. Não tenho perspectivas de construir tudo novamente, embora minha mente ainda se encha de planos, idéias e vontades.
Penso que fui fraco demais, que não deveria ter esmorecido. Quems abe, se eu tivesse pensado um pouco mais, teria achado a solução para a crise. Sei que serei criticado por muitas pessoas por tamanho desânimo, principalmente pelo meu tio Jaí, mas falando francamente, hoje só me resta a sensação de que fiz tudo errado, de que todos os anos em que trabalhei para adquirir as coisas que perdi foi jogado fora.
Queira Deus que um dia eu escreva neste blog que eu estava enganado e que tudo o que me aconteceu não passou de uma fase. Deus é quem sabe.

6.13.2006

Tenho cara de bandido?


Eram duas horas da manhã de domingo, dia 11 de junho. Estava dentro de um gol branco, entre amigos, voltando para o circo, após algumas horas de diversão numa lanchonete de Itapetininga, interior de São Paulo. De repente, quando passávamos em frente a um outro bar, que estava cheio de gente, uma viatura da polícia faz sinal solicitando nossa parada. Paramos o carro, descemos e fomos tratados como se fóssemos bandidos da mais alta periculosidade. Com armas apontadas para nós, tivemos que obedecer todas as ordens dos policiais, que nos revistavam centímetro por centímetro do corpo. Após a revista, revirou literalmente o automóvel do meu amigo, certamente, a procura de drogas.
Após, pediu meus documentos, juntamente com os documentos do automóvel. Foi então que perguntei se as pessoas de bem poderiam ser humilhadas na frente de todos daquela maneira. O policial, severamente disse que aquilo não era humilhação, mas eu afirmei ser sim uma grande humilhação. Afinal, sou uma pessoa de bem, não tenho cara de bandido, trabalho, e não concordo com a maneira com que fui abordado. Enquanto eu estava sendo revistado e HUMILHADO pelos policiais, milhares de bandidos estavam roubando, matando e usando drogas. Mas EU é que estava sendo revistado. A Suzane Richtofen está solta, usufruindo as mordomias da casa de seu tutor. O Pimenta Neves está em liberdade. E eu estava ali, de pernas abertas, encostado no carro, com as mãos na cabeça e com os dedos cruzadfos, sendo tratado como se fosse bandido!!!
No momento em que estava sobre a mira dos revólveres dos policiais, os "homens da lei" , foi impossível não pensar nas pessoas que já morreram inocentemente em abordagens assim.
Por isso fiquei indignado.
Após toda a revista, o policial devolveu os documentos a todos, e disse que aquele era o trabalho deles. Eu dei um ingresso de camarote e disse que era pra eles irem nos assistir para comprovarem que éramos pessoas de bem, e não bandidos.